sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

A TV Digital no Brasil - Texto do Prof. Valdecir Becker

A TV Digital no Brasil

Fonte :Sexta-feira, 20/02/2009 - 10:30 - Por Valdecir Becker

http://imasters.uol.com.br/artigo/11658/tvdigital/a_tv_digital_no_brasil/

O tema foi objeto de muitos estudos, com investimento público que beira os R$ 100 mi, e ainda está longe da estabilidade comercial. Tecnicamente, a TV digital no Brasil é exemplo internacional, com funcionamento muito melhor do que o esperado. Porém faltam incentivos para que a população compre os receptores, considerados caros e sem atrativos para quem não tem TV de plasma ou LCD de alta definição.

Resumidamente, as discussões sobre a TV digital começaram no Brasil em 1994, quando foram feitos os primeiros estudos sobre o tema, conduzidos pela Sociedade Brasileira de Engenharia de Televisão (SET) e a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert). Desde então tem se debatido vários aspectos tecnológicos, com foco nos padrões e sistema internacionais que poderia ser adotados. Até 2000, não houve resultados concretos desses estudos. Ficaram muito mais na suposição e na falta de vontade política de avançar.

Centrando os estudos nos três sistemas existentes (americano ATSC, europeu DVB e japonês ISDB), a Anatel iniciou os seus estudos sobre TV digital e mercado de telecomunicações em 1998. Além de tomar a frente nas pesquisas, a Agência avalizou a iniciativa SET/Abert, dando continuidade ao trabalho que vinha sendo desenvolvido, porém com uma visão mais pragmática. O objetivo inicial era escolher um dos três padrões para ser adotado pelo Brasil. O desenvolvimento de um sistema nacional estava totalmente fora de questão.
No início de 1999 foram importados os equipamentos necessários para testar os três sistemas de transmissão. Os testes de laboratório e de campo foram feitos em setembro daquele ano e em janeiro de 2000, respectivamente. Também foram feitas demonstrações da tecnologia em locais públicos, como shoppings.

Logo no início dos testes, em fevereiro de 2000, percebeu-se que a modulação 8-VSB, usada pelo sistema norte-americano, não atendia às necessidades brasileiras, uma vez que seu desempenho foi insatisfatório na recepção doméstica, principalmente usando antenas internas. Esse fato levou a Anatel a descartar o padrão de modulação norte-americano, colocando em consulta pública a utilização do COFDM, usado pelo DVB e ISDB. Atualmente, quase metade (47%) dos aparelhos de TV tem recepção apenas por antenas internas.

O relatório final dos testes de TV digital confirmou o melhor desempenho dos sistemas europeu e japonês, além do desempenho insuficiente do ATSC (americano) nos quesitos transmissão de sinais em áreas de sombra e para receptores móveis. Entre os dois primeiros, o ISDB (japonês) foi considerado superior ao DVB (europeu), devido ao melhor desempenho na recepção de sinais televisivos em ambientes fechados, e a sua flexibilidade para recepção de programas ou acesso a serviços, através de terminais fixos ou móveis. Em 31 de agosto de 2000, a Anatel encerrou a discussão técnica sobre o padrão de TV digital a ser adotado no Brasil. Esperava-se um pronunciamento oficial sobre qual tecnologia seria adotada, mas este anúncio foi adiado para depois da posse do novo governo, que ocorreria dois anos depois.

Após a posse, o então Ministro das Comunicações, Miro Teixeira, encaminhou uma carta de intenções ao Presidente da República, onde levantou a necessidade da inclusão digital através da TV interativa. Era o primeiro sinal de que o assunto teria outro tratamento. O passo seguinte foi o anúncio de que o país desenvolveria um padrão próprio de transmissão, idéia que foi amplamente defendida pelo ministro até sua saída do Ministério, um ano após tomar posse. Em maio do mesmo ano, foi criado um grupo de estudo para analisar novamente o assunto e dar um parecer sobre os estudos já realizados.

Os trabalhos desse grupo de estudo duraram até novembro, quando saiu o decreto Nº. 4.901, que instituiu o Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD). O decreto, além de nortear a transição do sistema analógico para o digital, deixou claro que esse avanço tecnológico não se restringiria a uma simples troca de equipamentos. A preocupação com a inclusão social por intermédio da TV e com o desenvolvimento da indústria nacional estava entre os principais objetivos. O decreto deixou claro que a TV digital seria uma ferramenta com finalidades sociais, não uma simples evolução tecnológica que atende apenas a interesses mercadológicos ou econômicos.
Para conduzir os estudos foram lançados 20 editais públicos, em forma de Requisição Formal de Proposta (RFP), buscando projetos para atender as mais variadas áreas que compõe a TV digital.

Os editais incentivaram a formação de redes de pesquisa, onde os estudos são realizados de forma descentralizada por várias instituições trabalhando num mesmo tema. No total, o SBTVD envolveu 79 instituições acadêmicas, de P&D e da indústria eletroeletrônica, congregando mais de 1.200 pesquisadores.

O resultado final foi a opção pelo padrão OFDM-BST de modulação, integrante do sistema japonês de TV digital, que permite transmissões para dispositivos portáteis na mesma freqüência do canal de radiodifusão. Além disso, foram incorporadas inovações tecnológicas como o padrão de codificação H.264 e o middleware Ginga. Este último desenvolvido nacionalmente.









Esquema de tecnologias do ISDB-Tb. De baixo para cima: camada de modulação, multiplexação, codificação de vídeo, codificação de áudio (até aqui tudo é implementado em hardware no receptor); middleware e aplicações.

O Decreto Nº. 5.820, além de definir as tecnologias componentes do ISDB-Tb (International System for Digital Broadcasting - Terrestrial Brazil), nome comercial adotado pelo SBTVD, também estabelece as regras de implementação da TV digital no Brasil, delimitando em sete anos o prazo para que o sinal digital cubra todo o território nacional. Em 10 anos toda transmissão terrestre no Brasil deve ser digital e as concessões de canais analógicos devolvidas pelos operadores privados à União. Além disso, define que a TV digital brasileira terá alta definição, mobilidade, portabilidade, multiprogramação e interatividade.


Para desenvolver e implementar plenamente o ISDB-Tb, foi criado o Fórum do SBTVD-T, composto por representantes do setor de radiodifusão, do setor industrial e da comunidade científica e tecnológica, entre outros. O principal objetivo do Fórum é promover a definição, desenvolvimento, planejamento da implantação e implementação dos padrões técnicos voluntários e obrigatórios do ISDB-Tb.

A inauguração da TV digital brasileira aconteceu em dois de dezembro de 2007, em São Paulo. Na ocasião, as principais redes de TV da cidade lançaram suas transmissões digitais, mesclando conteúdos em alta definição com outros em definição padrão. Também foram lançadas as transmissões One-Seg, para dispositivos portáteis, em baixa definição. Atualmente, 11 capitais brasileiras já têm sinal digital comercial, abrangendo 46% da população. Pelo menos mais cinco capitais estão em fase de teste da tecnologia, cujo lançamento deve ocorrer nos próximos meses.

A interatividade foi postergada para um segundo momento. No entanto, vários fabricantes de set top boxes (receptores digitais, com saída analógica, que fazem a decodificação do sinal digital e suportam a interação do usuário) embutem softwares nos equipamentos, o que permite algum tipo de interatividade, como o guia de programação. As informações que compõem o guia são transmitidas multiplexadas ao fluxo de áudio e vídeo, e extraídas no momento da exibição. Como as transmissões digitais foram iniciadas sem o middleware Ginga nos set top boxes, atualmente o guia eletrônico de programação (EPG) é o único recurso interativo presente que permite alguma interação entre o usuário e o receptor através de software e controle remoto.

No entanto, há vários receptores com versões de Ginga sendo vendidos clandestinamente. No centro da cidade de São Paulo, um receptor com Ginga-NCL implementado parcialmente é vendido a um preço médio de R$ 600,00. Esses receptores não são atualizáveis, mas recebem alta definição e têm saída HDMI.

Além disso, nesta semana foi lançado comercialmente o middleware RCA Soft. Trata-se de uma implementação das linguagens NCL e LUA, com suporte a aplicações carregadas localmente pela porta USB ou transmitidas pelo ar via carrossel de objetos. Por enquanto o middleware RCA Soft é voltado para o receptor XPS-1000 da Proview. Quem já comprou esse receptor pode fazer o download do Ginga no site da própria RCA Soft, a um custo de R$ 199,00, e acompanhar os testes que estão sendo feitos pelas emissoras de TV. Esse preço inclui os serviços técnicos de preparação do software de instalação para o receptor, envio do software por e-mail com as instruções detalhadas para atualização, envio de algumas aplicações interativas de exemplo e suporte técnico do usuário por e-mail durante o período de 90 dias.

A escolha das tecnologias envolvendo a TV digital no Brasil causou muita polêmica. Por um lado, a iniciativa do governo federal em usar a TV digital como fonte de inclusão digital não obteve respaldo das emissoras de TV, responsáveis pela geração de conteúdo. Por outro, o lobby do Sistema Europeu desvirtuou o debate, com informações incorretas sobre o potencial da tecnologia.

Analisando o processo agora, três anos depois do centro do debate, percebe-se que o DVB está à míngua, com o MHP questionado por todo mundo que o adotou. Além disso, a escolha pelo MEPG-4 se mostrou totalmente acertada. Os EUA já anunciaram a evolução do sistema ATSC para incorporar essa tecnologia de codificação; a Europa está em vias de fazer o mesmo, uma vez que a França também optou por essa tecnologia. O Japão está estudando como evoluir o ISDB para incorporar essa inovação. Isso mostra na prática o que se sabia teoricamente: o ISDB-Tb é o sistema de TV digital com as tecnologias mais avançadas.

O único componente genuinamente nacional do ISDB-Tb é o middleware Ginga, desenvolvido pelas Universidades PUC-Rio e UFPB. Até o momento, a linguagem declarativa NCL e a procedural LUA estão confirmadas e especificadas pela ABNT. Os receptores e ferramentas de teste disponíveis no mercado estão baseados nessas duas linguagens. O Fórum do SBTVD ainda estuda a adoção da linguagem Java, como padrão procedural.

Resumidamente, os principais recursos do Ginga são:

  • Recebimento de aplicações pelo ar ;
  • Envio de informações por qualquer rede ;
  • Sincronismo no tempo e no espaço ;
  • Interatividade ;
  • Adaptabilidade;
  • Múltiplos dispositivos ;
  • Edição ao vivo .

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