segunda-feira, 15 de junho de 2009

TV digital estreia nos EUA mas ainda enfrenta resistência


Brian Stelter
Enquanto se esgotava a contagem regressiva do esforço de uma década de duração e custo de US$ 2 bilhões para converter o setor de telefonia dos Estados Unidos dos sinais analógicos aos digitais, Kevin Freeman matava o tempo em um banco de Minneapolis.
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Freeman, 53, vive em um abrigo para moradores de rua na cidade, e estava esperando para ver se ganharia um conversor em uma rifa promovida por um grupo assistencial.
"Estou aqui, esperando para ver se terei sorte", ele disse, sabendo que, sem o conversor, não poderá mais acompanhar o seriado CSI ou os telejornais matutinos.
Freeman é apenas um dos milhões de pessoas diretamente afetadas pela transição ordenada pelo governo nas transmissões de TV. As estações locais de televisão dos Estados Unidos suspenderam as transmissões de seus sinais analógicos à meia-noite da sexta-feira, e com isso deram início a uma nova era de imagens televisivas de clareza cristalina.
Para a maioria dos telespectadores, a alteração no padrão de transmissão representou no máximo um pequeno solavanco. Mas o setor de televisão estima que cerca de 12 milhões de domicílios nos Estados Unidos não tenham instalado os conversores requeridos, o que os deixa em risco de ficar completamente sem acesso a serviços de televisão.
Em todo o país, as estações de televisão criaram serviços de assistência telefônica, e organizações comunitárias organizaram eventos para ajudar os telespectadores confusos com as mudanças. A maioria das estações não recebeu o dilúvio de telefonemas esperado, e isso representa um sinal de que a transição parece ter ocorrido de forma mais suave do que muita gente havia previsto.
Mike Burgess, gerente geral da KOB, uma estação local de TV em Albuquerque, no Novo México, disse que sua equipe estava preparada para receber muitos telefonemas quando o canal fez a mudança em suas transmissões, às 5h da sexta-feira. De acordo com o serviço de mensuração de audiência televisiva Nielsen, Albuquerque tinha a maior proporção de telespectadores despreparados para a transição, entre os mercados dos Estados Unidos. Burgess se admitiu surpreso com a reação da audiência, acrescentando que o canal havia recebido apenas três telefonemas.
"E um deles era para saber quando o nosso meteorologista titular voltaria de férias", ele contou.
A maioria dos domicílios dos Estados Unidos paga para receber serviços televisivos por meio de uma operadora de cabo ou TV via satélite. Para essas pessoas, a transição em geral não representou qualquer problema. O objetivo da adoção do novo sistema de transmissão é liberar frequências de comunicação para novos serviços de telefonia sem fio e para mais canais de rádio de emergência, na porção do espectro agora abandonada pelas transmissões analógicas.
Mas milhões de pessoas continuam a assistir à TV aberta, em serviços gratuitos recebidos por antenas, e é sobre elas que recai o peso da transição para a televisão em padrão digital. Embora a TV seja primordialmente uma mídia usada para entretenimento, as autoridades norte-americanas enfatizaram o papel desse modo de comunicação em situações de emergência. Frank Mitchell, diretor de comunicações no gabinete do prefeito de Houston, no Texas, disse que o acesso a serviços de TV era um requisito vital para a temporada de furacões que está por se iniciar nas regiões costeiras de seu Estado.
"Para nós que vivemos aqui na área da costa do Golfo do México, isso é uma questão de segurança pública", ele afirmou.
Em Minneapolis, Freeman tentou por duas vezes se inscrever para o programa governamental que subsidiava o custo de compra de um conversor, mas seus dois pedidos foram rejeitados. Amalia Deloney, uma das organizadoras da rifa de conversores em Minneapolis, afirmou que alguns dos bolsões mais vulneráveis de telespectadores tiveram negados seus pedidos de cupons de subsídio porque vivem em unidades habitacionais multifamiliares, e o governo só concedeu dois cupons para cada endereço residencial.
Outra das moradoras de Minneapolis que depositavam suas esperanças na rifa é Selena Underwood, 43, e o comentário dela sobre a transição refletia certa dose de cinismo. "Eles dizem que o país está em recessão, mas continuam forçando as pessoas a comprar conversores", disse, dando de ombros. Underwood, que não ganha o suficiente para pagar por serviços de TV a cabo, acredita que a conversão seja "apenas mais uma maneira de extrair dinheiro das pessoas".
Especialistas alertam que a transição será desproporcionalmente negativa entre as pessoas que não têm o inglês como idioma natal e entre os moradores de baixa renda e desprovidos de televisores.
"Não creio que as pessoas considerem que essa situação seja urgente - até o momento em que perceberem que não poderão mais assistir TV", disse Stephanie Staudacher, cuja empresa, em Fort Collins, Colorado, oferece assistência aos telespectadores por meio de um contrato com a Comissão Federal de Comunicações (FCC). Staudacher disse que a maioria das pessoas que estavam recorrendo aos seus serviços eram idosos e aposentados, muitos dos quais vivem com o dinheiro contado.
A FCC informou que havia quatro mil telefonistas disponíveis em seu serviço de assistência telefônica aos telespectadores, para ajudar as pessoas que acordaram na manhã de sábado e descobriram que seus televisores estavam fora de ação. O efeito pleno da transição provavelmente ainda demorará alguns dias a se fazer sentir, possivelmente até que os índices de audiência da Nielsen demonstrem se proporção significativa de espectadores deixou de sintonizar a programação que usualmente acompanham.
Na manhã de sábado, a FCC informou ter atendido a 317 mil telefonemas na sexta-feira. As questões mais comuns se referiam ao programa de cupons de subsídio (que vale até o dia 31 de julho) e a como instalar os conversores.
Muitos dos telefonemas envolviam a necessidade de reprogramar televisores. A FCC diz que os telespectadores de TV aberta precisam reprogramar seus aparelhos, de forma a que voltem a vasculhar as frequências de transmissão e registrem os novos sinais digitais.
"Em última análise, todas essas dificuldades terão de ser resolvidas um telespectador por vez", disse Nick Matesi, gerente geral da ROLO, uma estação de TV da rede ANC, em Reno, Nevada, que já havia realizado sua transição em janeiro.
A FCC concentrará seu trabalho de assistência posterior à transação nas comunidades de fala hispânica. Em Nova York, a WXTV, uma estação de TV que transmite em espanhol e é parte da cadeia de TV hispânica Univision, transmitiu uma reportagem especial, a partir das 23h30min, para explicar a transição que aconteceria dentro de 30 minutos aos telespectadores.
Em algumas das estações, a transição foi realizada com grande alarde. Em Minneapolis, uma das estações da rede de TV pública PBS transmitiu um programa de despedida apresentado por uma professora aposentada que havia sido a primeira pessoa a aparecer quando a estação iniciou suas transmissões analógicas, 59 anos atrás. Em Colorado Springs, uma estação da rede CBS convidou um grupo vocal local para interpretar o hino nacional no momento da transição.
Como no caso da transição das máquinas de escrever para os computadores, a transição para a TV digital revelou alguns efeitos colaterais inesperados. Porque os sinais digitais estão mais sujeitos a interferências, muitos dos telespectadores de áreas rurais afirmaram que agora têm acesso a menos canais do que no passado.
"Os sinais digitais ocasionalmente são mais complicados que os analógicos", disse Rick Kaplan, porta-voz da FCC. "Pode demorar algum tempo até que as pessoas encontrem a posição mais correta para suas antenas".
Tim Downey, morador de Severna Park, Maryland, uma cidade localizada a meio caminho entre Washington e Baltimore, disse que a antena de seu televisor costumava receber entre sete e nove canais de maneira confiável antes da transição, mas que depois que ela foi conduzida apenas o canal local da PBS continua a oferecer boa recepção.
"Eu estava em melhor situação antes de eles porem fim à televisão analógica", disse Downey, acrescentando em tom pesaroso que as imagens digitais têm clareza cristalina, "mas só quando consigo recebê-las".
Eden Eskin, 71, uma moradora de Manhattan que enfrentava dificuldades para receber as estações das redes ABC, CBS e PBS em Nova York com o seu novo televisor digital de alta definição, classificou a transição, amargamente, como "um pacote de estímulo às companhias de TV a cabo".
No centro de Houston, Edward e Juanita Perry estavam acomodados na varanda de sua casa de madeira branca e de pintura descascada, na tarde de sexta-feira, e não pareciam preocupados com o fato de que não estavam preparados para a TV digital. O casal de aposentados tinha um cupom para um conversor, que chegou pelo correio na semana passada, mas ainda não havia comprado o aparelho.
"Isso não me incomoda", disse Edward Perry, 64, caminhoneiro aposentado. "Eu consigo viver sem televisão. Duas ou três noites não vão me matar".
Juanita Perry disse que na verdade via até de maneira positiva ficar sem televisão por algum tempo.
"O silêncio é de ouro", afirmou. "Vou aproveitar o silêncio

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